A disrupção do mercado jurídico como conhecemos é fato dado. As questões que se colocam são: Estamos caminhando de maneira célere ou lenta? Em quanto tempo o mercado será completamente remodelado?
Na língua portuguesa, a noção de “tempo” é compreendida a partir de uma única palavra. No entanto, para os gregos antigos, duas eram as palavras que sintetizavam esse conceito humano: “chronos” e “kairós”. O primeiro, como a palavra já indica, referia-se ao tempo cronológico ou sequencial (o tempo do relógio), ao passo que kairós ostentava a natureza qualitativa, a verdadeira experimentação do momento.
Kairós na mitologia grega é percebido na inteligência de Atena, no amor de Eros e no vinho de Dionísio. Kairós, na minha livre interpretação, é o carpe diem. É o tempo em sua potencialidade, o instante eterno que não se esvai com o passar dos ponteiros do relógio. Kairós é Einstein e Chronos é Newton. Não há nenhum tipo de superioridade de um em relação ao outro, são apenas perspectivas distintas da realidade.
O leitor, que gentilmente segue nesse texto, entediado, questiona: O artigo em questão não trataria da disrupção jurídica? De tecnologia? Por qual razão o autor trata de conceito antigos? Por qual motivo falar de gregos ou física?
A razão é simples! O atual mundo jurídico está descolado da dimensão do tempo de muitos. Explico. Em todos os períodos existem suas dores e suas belezas. Nossa perspectiva narcísica sempre busca explicar que somos o ápice da história. Imaginem quão prazeroso deveria ser um modernista no início do século XX, ou mesmo um futurista (sim, não fomos nós, seres perfeitos das primeiras décadas do século XXI, a cunhar o termo)? Somos apenas mais um elo numa cadeia. Ainda assim, um fato é de grande relevância em nossa geração, nunca se viveu tanto na história. Nunca tantas gerações compartilharam o mesmo planeta. Estima-se que 10% de todas as pessoas que já viveram, desde os primórdios da história, estão compartilhando esse globo com você agora.
Isso não quer dizer que estejamos todos na mesma dimensão. Muitos ainda dão boa noite para o apresentador do jornal nacional (nem sei quem é atualmente!), ao passo que muitos nem mesmo televisão possuem em casa. Alguns ainda enfrentam filas de bancos, chamam táxi com as mãos (sem aplicativos) e pedem pizza por telefone. Normal e aceitável 😊
No âmbito do mercado jurídico não é diferente! Comprei meu primeiro smartfone em dezembro de 2015 (sim, eu fui um dos últimos a me conectar!). Em janeiro de 2016, fundei o Sem Processo – sem saber o que estava fazendo. Em 2017 fundei a AB2L, mais uma vez sem ter a mínima noção do que estava acontecendo. Em 2018, criamos a Future Law. Em 2019 veio a Life Aceleradora. Neste meio tempo, rodei o Brasil, de norte a sul, de Ministros das Cortes Superiores aos estudantes de primeiro período, conversei com todos os personagens do mundo jurídico. Investi como anjo em algumas outras Lawtechs. No âmbito do Lima ≡ Feigelson Advogados, contribuímos com algumas das empresas mais inovadoras, assim como algumas das corporações mais tradicionais em seus projetos mais vanguardistas. Tenho a convicção de que estou vivendo uma dimensão muito diferente de alguns amigos.
E a questão que resta é, em que ponto estamos na curva da disrupção?
Apesar da ansiedade de todos que me rodeiam, – sócios, colaboradores, amigos, clientes, parceiros e outros –, acredito que ainda estamos nas primeiras dobras da progressão geométrica. A questão da disrupção é que ela evolui em progressão geométrica, ao passo que o mundo tradicional anda por meio de progressão aritmética. Quem já teve a oportunidade de ver alguma palestra minha, recentemente, refletiu a respeito do exercício da dobradura do papel.
Ainda há muita descrença e decepção no mundo da inovação no Direito. Em algum sentido, falamos de streaming quando vivemos o momento em que a internet discada nos oportuniza ver nossas primeiras fotos online. Já apresentamos o mundo dos smartfones em uma realidade que se diverte com jogos da cobrinha em celulares Nokia. Mas não se engane, a velocidade é exponencial. E no ponto de inflexão, será tarde demais para tentar alguma coisa.
Quando criei o termo “Lawtech”, em 2016, não tinha a mínima compreensão da dimensão que o termo ia ganhar. Notem que no ano de 2018, em nível mundial, Lawtech começou a se tornar mais relevante que a palavra “Legaltech”!
Em 2018, trafegamos no Sem Processo 1 bilhão de reais. Na Life, recebemos contato de no mínimo duas novas Lawtechs por semana. Na AB2L, chegamos a 500 associados. Só de Lawtechs são aproximadamente 150. Na Future Law, contamos semanalmente com a participação de heads jurídicos, juízes, procuradores, promotores e sócios dos maiores escritórios do Brasil em nossas salas de aula.
Estamos andando acelerados? Realmente não sei dizer. Faz tempo que eu passei a experimentar o tempo na dimensão de Kairós. Chronos ainda se impõe para os compromissos do cotidiano, mas não é um bom companheiro para tratar de disrupções...
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