A MPB, principalmente em seu início, na década de 1960, não pode deixar de ser associada a um processo transformador da música brasileira, marcado por um caráter jovem, inovador e que inegavelmente rompeu com os padrões da época, principalmente levando-se em conta o contexto da ditadura militar que se iniciou em 1964.
Apesar da MPB ser recente na história brasileira, influenciando diversas gerações do passado e do presente, não podemos nos esquecer da passagem do tempo. Desde o início do movimento até os dias atuais, já se passaram cerca de 60 anos. Nem mesmo Rita Lee, hoje com seus 73 anos, com toda sua implacável juventude, conseguiu impedir o efeito do avanço do tempo, reconhecendo inclusive que seu “corpo físico” não a permite fazer o que fazia em seu auge [1].
Além disso, é inegável o futurismo que esse estilo musical trouxe. Elis Regina, quer tenha sido intencional ou não, parece ter entendido perfeitamente a influência do tempo, que afeta a tudo e a todos, da mais recente invenção tecnológica à mais juvenil personalidade. Em sua música “Velha Roupa Colorida”, originalmente composta por Belchior, dava uma dica de ouro a todos que escutassem:
“Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo;
Que uma nova mudança em breve vai acontecer;
E o que há algum tempo era novo, jovem, hoje é antigo;
E precisamos todos rejuvenescer.”
Façamos então um exercício mental. Busquemos em nossas memórias a primeira vez em que usamos o Facebook, o Whatsapp, nos locomovemos através do Uber ou pedimos uma pizza no iFood – creio que poucos serão aqueles que conseguirão resgatar de forma assertiva essa memória.
Essas inovações, fundadas e lançadas, respectivamente, em fevereiro de 2004, fevereiro de 2009, março de 2009, e maio de 2011 já se encontram em nossas vidas – ainda que de forma não tão intensa como nos dias atuais – há mais de uma década, fazendo parte do nosso cotidiano de forma tão orgânica e natural que não conseguimos mais imaginar um mundo em que não exista a possibilidade de nos conectarmos virtualmente ou de pedir transporte ou um lanche através de nossos celulares.
Em relação ao Direito, as novas gerações muitas vezes têm seu primeiro contato com os processos judiciais de forma 100% eletrônica. Principalmente no contexto da pandemia de COVID-19, não raros são os relatos de estudantes de graduação que tiveram sua primeira experiência profissional de forma remota, trabalhando exclusivamente através da tela de seus computadores. Apesar de já existirem profissionais do Direito que nunca manusearam processos físicos, essa será uma realidade cada vez mais comum.
É curioso pensar que, enquanto hoje existem processos integralmente armazenados em uma base de dados eletrônica, e profissionais que jamais manusearam um processo físico, em 1929, ou seja, não muito antes do início do movimento da MPB, o Tribunal da Relação de Minas Gerais (espécie de tribunal de segunda instância), anulou uma sentença em razão de ter sido datilografada e, assim, contrária à legislação vigente [2].
A MPB pode então servir até mesmo como paralelo às mudanças impostas pela quarta revolução industrial. Enquanto as revoluções industriais anteriores apresentavam marcos temporais e tecnológicos mais definidos, a quarta revolução industrial - que hoje já se considera como uma realidade em andamento - diferencia-se principalmente por sua velocidade, alcance e impacto no sistema [3].
A velocidade descomunal dos avanços tecnológicos existentes pode ser observada no fato de que um iPhone de 2019 possuía quase 100.000 vezes a capacidade de processamento do computador da espaçonave que levou o homem à lua na missão Apollo 11, em 1969 – apenas quarenta anos após da anulação da sentença em razão de ter sido datilografada [4].
Apesar das semelhanças, as diferenças são sensíveis
A MPB e a quarta revolução industrial apresentam similaridades no aspecto disruptivo, mas são distintas em um ponto relevante: esta encontra em sua exponencialidade uma característica que a diferencia fortemente de processos evolutivos anteriores.
Vejamos um exemplo prático: O avião, seja criado em 1903 pelos irmãos Wright ou em 1906 por Santos Dumont (de qualquer forma há mais de um século) levou cerca de 70 anos para atingir a marca de 50 milhões de pessoas utilizando. Enquanto isso, o Facebook, fundado há pouco mais de 15 anos, levou apenas três anos para atingir a mesma marca. Se isso parecer rápido demais, de maneira assustadora para alguns, poderá ser uma boa ideia omitir o fato de que o jogo de celular Pokemón Go atingiu a mesma marca em apenas 19 dias [5].
Saudemos, inclusive, a comunidade gamer existente no mundo jurídico. Muitos dos típicos “sobrinhos que ficam jogando videogame no churrasco da família” de alguns anos atrás, hoje são formados em cursos de graduação e fazem parte de nossa comunidade jurídica. Um conceito muito conhecido por essa comunidade, e hoje amplamente utilizado inclusive em escritórios, é o de versão β (Beta), que representa nada mais do que uma versão de testes para a versão definitiva de um determinado produto – onde entram os jogos de videogame (neste momento, muitos devem estar resgatando suas memórias afetivas de games jogados em versões de teste).
Como um verdadeiro mantra da inovação, criou-se então a ideia de β (Beta) contínuo, ou seja, de considerar o produto como estando inserido em uma constante versão de testes e aprimoramentos. Essa mentalidade acaba por ser diretamente compatível com o contexto da quarta revolução industrial, em que o inimaginável se torna palpável em um espaço de tempo cada vez mais acelerado.
Apenas com fins de curiosidade, vale observar que Elon Musk, CEO da SpaceX e da Tesla, apresentou em seu Twitter os detalhes do seu plano de levar um milhão de pessoas para Marte até o ano de 2050 [6]. Ocorre que para chegarmos em 2050, levaremos mais 29 anos, ou seja, menos da metade das seis décadas que nos separam do início da MPB. Estamos hoje, enquanto sociedade, mais próximos de existirem seres humanos em Marte do que da época em que foram lançadas grande parte das músicas de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Vinícius de Moraes, em discos de vinil.
O Direito será afetado pela quarta revolução industrial?
Com o passar do tempo, o debate cada vez menos se concentra na possibilidade de que o Direito seja ou não impactado pelas transformações tecnológicas da quarta revolução industrial, passando cada vez mais a focar sobre quando e em que grau. O quando se demonstra como sendo o agora. Em que grau? A imaginação parece ser o limite.
Percebemos então que Elis e Belchior estavam certos: o que há algum tempo era novo e jovem, hoje é antigo. Devemos então acender um sinal amarelo em nossa percepção. Não devemos apenas repensar os métodos antigos de trabalho do mundo jurídico, mas entender também que até mesmo a mais moderna inovação de hoje poderá ser obsoleta amanhã. Enquanto a inovação jurídica no passado consistia, por exemplo, na máquina de escrever, no fax, e, posteriormente, no computador, hoje debatemos audiências tele presenciais, Inteligência Artificial, Legal Design e Visual Law. Para o futuro, só o tempo poderá dizer quais serão os novos desafios e as novas oportunidades que serão encontradas, mas Pimentinha (apelido dado à Elis por Vinícius) já deixava um ponto claro: “Precisamos todos rejuvenescer”.
Referências
[1] https://globoplay.globo.com/v/8593050/
[2] https://bernardodeazevedo.com/conteudos/em-1929-juiz-teve-sentenca-anulada-por-usar-maquina-de-escrever/
[3] https://www.bbc.com/portuguese/geral-37658309
[4] https://canaltech.com.br/espaco/seu-smartphone-seria-poderoso-o-suficiente-para-te-levar-ate-a-lua-144515/
[5] https://www.visualcapitalist.com/how-long-does-it-take-to-hit-50-million-users/
[6] https://canaltech.com.br/espaco/elon-musk-quer-povoar-marte-com-mais-de-1-milhao-de-pessoas-ate-2050-159233/